samedi 8 novembre 2008

Anna Luisa : girando em torno de ritmos brasileiros

Anna Luisa, mais uma "garota sangue bom" (foto Daniel A)

Eu ficava muito intrigado com essa garota do Leblon (RJ) completamente enlouquecida por ritmos nordestinos e percussões. O seu segundo disco, « Do Zero » (2006), estava repleto de sotaques regionais, derivados do maracatu, do baião, do xote e até da ciranda, e nada disso soava superficial. Com participações e apoio de Pedro Luis e Rodrigo Maranhão, entre outros, « Do Zero » foi uma das boas revelações do início do ano passado. Porém, Anna insistiu (muito !) em me dizer que esse disco era só uma base firme para construir « Girando », seu neném recém-nascido que acaba de ser lançado agora.
A gente se encontrou em agosto desse ano, e a cantora, simpática e muito animada, já me revelava os bastidores deste último disco, já muito bem recebido pela crítica em geral. O fato é que, na verdade, só pude escutar as faixas disponíveis na página da cantora no Myspace. O disco está a caminho da velha Europa…Assim me prometeu Anna Luisa… Mas antes de abordar « Girando », eu quis saber um pouco mais sobre o início de sua carreira profissional…

Daniel
: Me conta, Anna; sobre o seu primeiríssimo disco, « Novelas acústico » (2002): parece que você tente escondê-lo da sua discografia...

Anna Luisa : O primeiro? Ah, sim, mas na verdade não se tratava de um disco autoral. Foi uma primeira experiência, a partir de uma idéia do selo Deckdisc, reunindo temas de novelas que haviam feito sucesso, em formato acústico, porque isso estava um pouco na moda ... e o selo estava à procura de uma cantora. Eu passei num teste, algo parecido com um teste de elenco. Mas para mim, foi uma boa oportunidade. O projeto era bem aberto, e eu pude participar da escolha do repertório mais conveniente à minha voz. Pode-se dizer que foi mesmo o meu primeiro trabalho realmente profissional. Mas eu não o considero parte da minha discografia, porque de fato não havia muito de mim mesma nesse projeto.

D :
Mas isso te ajudou a ficar um pouco mais conhecida do público, não?


AL : Esse é um tipo de álbum de catálogo básico de um selo. A Deckdisc é conhecida por lançar diversas coletâneas, como por exemplo: “O Melhor do Forro”, “O Melhor do Samba”, esse tipo de coisa... É o tipo de disco sobre o qual não se trabalha muito o marketing; são colocados sobre as grandes bancadas das lojas, onde são fáceis de serem enxergados e manuseados. Eu também não queria ter meu nome associado artisticamente a esse tipo de produto de ocasião. É claro que eu não o renego; mas ao mesmo tempo, mesmo havendo qualidade nele sob certo aspecto, eu só o consideraria como parte da minha discografia se ele fosse mais pessoal... enfim, não é meu verdadeiro início de carreira.

D : De fato, eu conheci você através do seu álbum “Do Zero”, que já tem quase dois anos, e sei que você está em vias de lançar seu mais novo disco... Assim, sou todo ouvidos; como dizem os cariocas, manda aí...

AL :
(rsrs) Eu escolhi 12 títulos… Foi um trabalho de escutar, escutar... Existe tanto material de vários compositores, e há tantos artistas talentosos... É um trabalho de pesquisa constante, que é preciso ser feito, eu acho... Eu mal terminei, com muito esforço, esse disco – “Do Zero” – e já comecei a procurar por algumas coisas novas. Eu já pensava em canções para o próximo trabalho. Na realidade, sobre « Do Zero », eu o considero um campo de experimentações; creio mesmo que o primeiro disco de uma cantora é sempre uma experiência, que pode dar frutos, da mesma forma como poderá ser bem acolhida pelo público.

D : Eu o achei muito sucedido, bem acabado...

AL :
É verdade... Mas é acima de tudo um terreno sobre o qual pude colocar as fundações para construir um segundo disco. O que também poderia ser arriscado...
Uma boa acolhida do primeiro poderia causar uma grande expectativa sobre o segundo, e essa expectativa causar alguma frustração... Mas no meu caso, eu mesma senti uma evolução de um álbum para outro. Principalmente graças a meus shows. É por isso que a sonoridade de « Girando » me dá essa certeza de evolução. Ele mostra mais claramente que tipo de artista eu sou... Mostra o que eu posso fazer de melhor musicalmente... Dentro das minhas escolhas, eu mantive alguns compositores que já constam do primeiro disco, e eu mesma continuei compondo. Mas eu não tenho a pretensão de fazer um trabalho inteiramente autoral; e de qualquer maneira, também não tenho muitas canções em mente agora... Então eu não me obrigo a ser cem por cento autoral.

D :
Em “Do Zero”, praticamente a metade do repertório do álbum é da sua autoria...

AL : Em « Girando » só tem quatro canções da minha autoria... Eu fui muito seletiva... Nem tudo que eu compus me foi necessariamente satisfatório. Muitas vezes, quando eu componho uma canção, acabo sentindo que ela não foi feita para que eu mesma a interprete; mas ela pode, sim, servir à voz de uma outra intérprete.

Anna Luisa e Rodrigo Maranhao no Cinémathèque (RJ)
(foto DanielA)


D :
Com quais compositores você continuou trabalhando em “Girando”? ... Maranhão, Edu Krieger ? Eu já assisti a você lá, no espaço Cinémathèque, com eles ... foi muito bom, e divertido...


AL : Bom, meus colaboradores de sempre são o Emerson Mardhine… E eu compus uma nova música, Seu moço com o Edu e com um novo colaborador, que é o Rodrigo Vidal -Pedido ao tempo -, que foi quem inclusive produziu “Do Zero”, e agora “Girando”. Há também uma canção que é de minha única autoria, Bailarina do mar. Dentre as outras faixas, eu incluí um novo título do Rodrigo Maranhão, Baião digital. Esse é um dos artistas com quem eu tenho uma sintonia muito grande ! Você deve ter sentido isso ao longo do show... E o restante são mesmo muitas releituras, que como já te contei, são baseadas num trabalho de pesquisa constante... São aquelas canções que apelidamos de “lado B”, ou então algumas músicas bastante conhecidas à que damos uma roupagem nova.

Participaçao luxuosa do Edu Lobo em "No Cordao da saideira"

D : Tem também a “reprise” de um título de sucesso?


AL : …Na verdade, não… Tem uma música do Gilberto Gil que se chama Parabolicamará , que foi completamente “desconstruída”, a qual refizemos sob um ritmo mais sincopado ( ela canta ), completamente diferente do que ele havia feito na época. É uma abordagem diferente, que sempre ousamos fazer... E também gravei Edu Lobo... Ele me fez a gentileza de participar do álbum; ele divide a voz comigo numa de suas composições: No cordão da saideira, você conhece? É uma canção maravilhosa... ( Anna cantarola ... ). Foi um luxo... Muito envolvente, mesmo… Eu adoro a voz dele, mesmo que ele não se gabe dela... Deixa eu ver (...ela pára e pensa)... Tem uma canção de inteira autoria do Eugênio Dale, Tonta . Tem também um título de um compositor que é um dos meus amigos da roda de sarau, Antônio Dionísio. Ele é um mineiro que mora nos Estados Unidos, e que não é muito conhecido aqui…Ele compôs a única música em inglês do disco, que se chama Cold Kiss ; é um títuilo que soa um pouco tropicalista, e que cai bem no clima do álbum... Ela é mais lenta… Ela tem uma faceta bem “brasileira”. E, sim, olha só (...refletindo ainda)… Ah, sim, e tem alguma coisa dos Novos Baianos Pingos da chuva … Você conhece essa música?

D : Ih, agora você me pegou… !

AL :
Essa precisa ser pesquisada ! Essa é primeira que eu escolhi para o meu novo repertório... Eu adoro Baby Consuelo, uma grande intérprete, dona de uma swing incomparável. Ela se perdeu um pouco a nível musical, mas ela poderia ter feito uma carreira como a da Gal Costa... É uma das músicas dos Novos Baianos menos conhecidas, mas perfeitamente dentro do estilo deles. É uma carta que eu guardei na manga... Mas eu sabia que um dia com certeza eu iria gravá-la. Então, agora, espera aí... Foram três releituras, a música do Eugênio, mais quatro minhas... já são oito... ( tem uma “luz” ): Cachaça Mecânica , de Erasmo e Roberto Carlos !


D : Ah, sim ( eu canto ) ... ela foi reeditada em francês ... Para uma certa Marie Myriam ...


AL : (rs)… Fizemos com um novo arranjo… Fizemos como um samba moderno... Eu diria que ela tem um pouco a ver com Um Par , do Rodrigo Amarante, do meu segundo disco... dentro dessa mesma tendência, mas um pouco mais “encorpada”... Nós tivemos mais tempo, dessa vez, de utilizar os instrumentos que não tínhamos no primeiro disco. Para a abertura do álbum, foi escolhida Lágrima Negra, uma música inédita de uma amiga minha, Ana Clara. O Rodrigo Vidal acabou ouvindo um de seus demos, porque ela também esta iniciando sua carreira... Ela compõe…Achamos que essa canção também caberia bem no disco...

"Girando", lançamento oficial esse 12 de novembro.

D : Agora que você enumerou conscientemente as músicas, como você definiria “a cor” do seu álbum… ?

AL: Eu continuo com a minha paixão alucinada pelos ritmos brasileiros mais diversos, e eu adoro explorá-los... Tem o Baião, o Maracatu, o Xote... e tem o samba, com esse seu lado de raiz, com seus breques, mas não obrigatoriamente “quadrado”; e tudo isso revestido de um toque modernista... Ah ! Me lembro agora de outro título: Folguedo popular, que é um forró para o qual pedimos ao Nicolas Krassik para fazer o arranjo. Ele aderiu com o seu grupo, Os Cordestinos, para entrar com uma rabeca, um violino, um baixo acústico e as percussões... A música soa realmente muito autêntica, bem tradicional... Bem, não são exatamente a zabumba, o acordeon e o triângulo; não se trata de um trio nordestino... Mas pelo conjunto do disco em si, fica difícil definir um estilo específico... Eu fico à vontade para que os estilos se imponham por sim mesmos... porque também é muito pop... Eu o definiria como muito "brasileiro", simplesmente. Eu acredito convictamente que « Girando » é bem mais maduro; Eu chego a repassar as críticas na minha memória, para checar se elas estão sendo boas ou não... mas acabo concluindo que não devo dar tanta atenção a isso: estou satisfeita com o meu próprio resultado, e também muito orgulhosa pela minha escolha dos compositores.

D : E para falar das músicas do Nordeste, eu venho constatando algumas coisas, e gostaria de saber o que você pensa a respeito.... Eu tenho a impressão de que o Nordeste sempre veio em auxílio à MPB quando essa se empobreceu. E mesmo nesses últimos anos, não são poucos os artistas que vêm do Norte. E existem esses cariocas embalados por esses ritmos, como o Pedro Luis, o Edu Krieger ou o Rodrigo Maranhão… E até você mesma... Como você explica esse fenômeno de artistas cariocas que bebem das fontes nordestinas?

AL : É verdade, e você está certo; é assim mesmo que acontece... Não sei bem como. Geralmente me perguntam: “ De que estado você é? Bahia ou Pernambuco?

D : E você, no entanto, nem aparenta!

AL : Sim, eu sei (rs), e eu não sei se é por brincadeira, ou se acreditam mesmo que eu venha de lá. Mas enfim... Essas regiões são tão ricas, é impressionante... Você conhece o Nordeste, não é..? Você não acha que isso é culturalmente inacreditável? É um encantamento... eu não sei... Quando eu chego em Salvador ou Recife... Alguma coisa acontece... eu não sei explicar... De fato, eu sou um tipo mais europeu, mas deve haver alguma coisa afro dentro de mim... Eu adoro percussão, e já participei de inúmeros grupos de percussão dentro de oficinas de samba e de maracatu; e isso consolidou a minha paixão pelos ritmos. Também participei de uma oficina de danças populares, e me vi seduzida por esse universo... Do Pedro Luis eu já era a maior fã, e Lenine... esse é o meu guru! Sem dúvida foi ele quem me influenciou mais diretamente. Seus arranjos, com interferências eletrônicas, porém sem exageros, mesmo que no fundo ele seja fundamentalmente rock... E também tem o Gil, que sempre foi eclético, indo da Bossa ao forró, sem jamais perder sua identidade.

D : E são justamente as duas canções do Pedro Luis que me seduziram de imediato no seu segundo álbum: « Do Zero » e « Vale quando pesa »…


AL :
Ele me cedeu esses dois títulos inéditos... Mas em « Girando », eu não tive nem a oportunidade de gravar alguma coisa do Pedro... Eu recebo tantas coisas boas... E as má também! Enfim, eu recebo um monte de coisas! (rsrs). No disco tem também a participação especial do Quizomba, o Grupo do qual eu fazia parte, que é um “bloco de baile”. O Quizomba não tinha composições próprias como o Bangalafumenga... Eles tocavam o Jorge Benjor, o Tim Maia, o Rappa, o Lenine, e trabalham com peças ritmadas mais cabíveis mesmo para um bloco... E o objetivo era mesmo animar bailes. Eu fiquei três anos com eles, o que me proporcionou um leque de experiências.

D : Eu me perguntava como você estaria aceitando as críticas da imprensa...A gente fala as vezes da falta de personalidade das vozes das novas cantoras; até você foi criticada para esse fato...

AL : Sim, é verdade. Mas por outro lado, na crítica do show « Samba Social Clube », a imprensa foi muito positiva a meu respeito. Esse projeto reuniu artistas de todos os estilos, reunindo 35 canções. Algo parecido com o projeto « Casa de samba ». Foi dito que a minha apresentação foi uma das melhores daquele grupo, tanto quanto a do Lenine e a da Fernanda Abreu, quando eu reentrei em cena junto com A Nilze Carvalho e a Ana Costa… Quanto às críticas, a gente deve estar aberta a recebê-las. Sobre « Do Zero », eu diria que ali eu me lancei, o que acho correto; mas eu ainda não estava ali senhora absoluta de mim mesma.

D : ...Mas você não pára de depreciar esse disco, que eu pessoalmente considero bastante maduro..!!

AL : Você acha? Sem dúvida, eu sou muito exigente; eu sou um tipo de pessoa que busca melhorar constantemente. Se eu leio uma crítica negativa, eu logo me questiono: « Deve haver uma razão... ». Eu venho me aperfeiçoando, e continuo tendo aulas de canto; eu diria que eu venho mesmo melhorando a cada show, e é isso mesmo que eu estou buscando... Quanto à questão do timbre da voz, isso não me afeta muito; até porque existem outras opiniões a respeito, e essas opiniões variam de pessoa para outra.

D : É bem evidente que nos últimos anos, há um afloramento de novas cantoras, mais do que nunca, talvez... Será que o papel dessas novas intérpretes não será o de emprestar suas vozes a novos talentos masculinos, como já fizeram no passado Elis e Bethania para Ivan Lins, Milton, João Bosco… ?


AL :
Eu não acho que uma cantora deva gravar esse ou aquele artista porque ele está na moda. Eu gravo um compositor por amar a sua canção, sem dar atenção se aquilo é uma tendência ou não. Mas dentro dos novos talentos, há muitos de qualidade. Não acho que hoje existam mais cantoras surgindo do que antes. É preciso perceber que existem diferentes tipos de carreiras. Há aquelas que passarão suas vidas cantando nos bares da Lapa. Pessoas extremamente talentosas... Porque elas não atingem um patamar superior em suas carreiras é algo que eu não entendo bem... questão de oportunidade, sem dúvida, ou falta de meios... ou falta de carisma, de sorte... Enfim, não sei dizer... Há também essa prática de encontros regulares entre artistas para tocarem juntos, fazerem uma espécie de “jam session”, uma roda de sarau. Nos reunimos com Roberta Sá, Edu Krieger, Pedro Luis, o marido de Roberta... E mostramos as novidades uns aos outros. Esse processo de troca é muito natural.

D : É verdade que, de um ponto de vista europeu, parece que está surgindo mesmo um tipo de “nova onda” autoral carioca, mesmo com membros do Los Hermanos, como a banda + 2, com Domenico Kassin; Fino Coletivo; Doces Cariocas, com Alexia Bontempo; Pierre Aderne…

AL :
É engraçado mesmo; tem músicas que eu regravei que vêm desses “saraus” organizados por Pierre et Alexia. É engraçado mesmo, como todo mundo está interligado, de uma forma ou de outra...


D : Agora, lá no fundo, a gente pode dizer que você faz parte da “jeunesse dorée” do Rio? Você é capaz de viver da sua música?


AL : ( ela ri… ) Eu já fiz parte dessa juventude privilegiada do Rio, sim, mas hoje nem tanto. Não, eu não poderia viver da minha música. E eu ainda estou investindo nela... Mas seria possível... Você sabe... existem diversas maneiras de se construir uma carreira. É possível cantar regularmente três vezes por semana, em diversos lugares. Eu já cantei em hotéis, como o Meridien, durante uma certa época, e o cachê era razoável. Idem com o Quizomba; mas quando a gente começa uma carreira autoral, fica mais complicado. Nesses ambientes, ocorre a imposição de um repertório e de um estilo. Com o Quizomba, inclusive, era muito cansativo para a minha voz, e eu tinha medo de perdê-la.

ANNA LUISA (com Rodrigo Maranhao e Edu Krieger): "Bailarina do mar"
e "Cabra cega" (no Canecao)





4 commentaires:

Unknown a dit…

Gostei de conhecer a Ana Luisa, eu mesmo nunca tinha ouvido falar dela , bjs e até breve Tuka

Anonyme a dit…

Salut Daniel, j'ai une chance de trouver un disque de Anna Luisa en France?

Anonyme a dit…

Essa garota é fofa ....e talentosa!Salve!

Anonyme a dit…

Je ne comprend pas tout, mais les vidéos montre une artiste qui a de l'avenir, à mon humble avis...

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